sábado, 15 de septiembre de 2007

Domingo ilegal por Macelo Rubens Paiva

PIRATARIA LEGAL
Marcelo Rubens Paiva

Domingo ilegal

"Como muitos, tirei o domingo para pagar contas. No meu Dimension E520 novinho, com processador novo e Windows Vista Home Basic. Não consegui. O certificado digital não estava válido. Erro no PTA da Verisign, informou o site do banco. Liguei para ele. Surpresa. Este sistema operacional não fora ‘homologado’ ainda. ‘Ainda? O programa já foi lançado há tempos.’ Silêncio. ‘Então, como faço para pagar as contas do mês?’ Utilizar o seu sistema operacional antigo, instalado no computador antigo, sugeriu. ‘Mas o antigo a essa hora serve a desejos secretos de algum adolescente na periferia da cidade.’ Silêncio. O senhor terá de se encaminhar à sua agência, respondeu. ‘Ela existe ainda? Pensei que bancos estivessem extintos pela revolução digital. É no mesmo endereço? Tem estacionamento? Tem pessoas lá dentro, ou bonequinhos, pontos de exclamação que falam, hologramas, computadores-robôs?’

Liguei para o fabricante do computador novo, o maior do mundo. Realmente, o Windows Vista tem dado muitos problemas. Perguntei então por que ‘têm vendido’ computadores com um sistema operacional que ‘tem dado’ muitos problemas? Me foi dito que todo sistema operacional lançado dá problemas nos primeiros meses.

Liguei para a Microsoft. A essa altura, descobri que quase todos os meus periféricos, do Bluetooth ao leitor de barras de código digital, passando pelo celular, não eram reconhecidos pelo novo Windows. Nem os drivers de outros periféricos. Sem contar que não há corretor ortográfico em português no Windows Mail, que não dialoga com versões anteriores do Office. Perguntei como a Microsoft lança um programa que não reconhece o passado. Fiquei sem resposta. Então, perguntei se a empresa lançou um sistema operacional já com Alzheimer. Continuei sem resposta. Sugeri que a Microsoft renomeasse o sistema operacional para Windows Vista Embaçada, Windows Tô Nem Aí, Windows Não Me Lembro de Nada. Sintomático. Para esses nerds que comandam as nossas vidas, só existe o futuro.

Voltei a falar com o suporte do fabricante. Senhor, interrompeu o operador, intimidado pelo meu surto de cidadão trabalhador que paga os impostos e que acaba de descobrir que levou um toco de um dos homens mais ricos do mundo. Senhor, desinstale o Windows Vista e instale um XP. ‘Mas passei para frente o meu XP, capisce?!’ Então, um silêncio abismal nos uniu. ‘A não ser que eu compre um programa... pi... tenho medo de falar a palavra... A ligação está sendo gravada?’ O operador continuou mudo.

Então, combinei, diria a palavra com seis letras, e ele desligaria a seguir, se concordasse. ‘Você sugere que eu arrume um programa pê de pato, i de ignorante, erre de rato, a de ator, tê de tesoura, a de ator?’ Caiu a ligação.

Sem conseguir pagar as contas, parti para a jornada de muitos brasileiros num domingo de sol: fui ao estádio, assistir ao clássico Corinthians (sem técnico, sem o craque William, rondando a zona de rebaixamento) e Santos (embalado, com o melhor técnico do País). Como bom corintiano, atendi aos apelos da Fiel, para ajudar o timão a sair do atoleiro. Eu sabia que o estádio estaria vazio.

Surpresa. Não havia ingressos. Pararam de vendê-lo ao meio-dia, por questões de segurança (o jogo era às 16 h). Público anunciado: 10 mil pagantes. E milhares de torcedores do lado de fora se perguntando o que estava acontecendo. Sim. Um jogo vazio, com torcedores dispostos a pagar para entrar, mas nada de bilheterias abertas. Perguntei ao policial em comando qual era a solução. É comprar de cambistas, não é? Ele sorriu envergonhado.

Percebendo o contra-senso, os cambistas passaram a vender os poucos ingressos a R$ 70. O clima pesou. Grupos de torcedores se acumularam nos portões. ‘Ih, ih, ih, nós vamos invadir.’ Policiais sacaram as armas. ‘El, el, el, ingressos pra Fiel.’ Uma bomba de gás foi jogada. Correria. Me retirei quando vi policiais com rifles apontados (balas de borracha?) A pancadaria comeu solta na Dr. Arnaldo. A violência que pretendiam evitar foi alimentada pelo procedimento adotado.

Tenho uma sugestão ao comando da Polícia Militar, aos organizadores do Campeonato Brasileiro, ao Ministério Público e aos times envolvidos. Por questões de segurança, eliminem de vez a figura do torcedor e descartem o público. Acabarão com os problemas de cambistas, ingressos falsos, invasões de gramado e bicões.

Bem, não vi o jogo. Fui ao Jockey Club. Parei o carro dentro das instalações. Assisti às corridas sentado em uma mesa no gramado, tomando sorvete com caldas. Fui tão bem atendido, que me senti dono de um haras. Ah, sim, é de graça. Se é verdade que o turfe no Brasil já foi mais popular do que o futebol, tem chances de voltar a ser.

Terminei o domingo assistindo a um dos documentários mais controversos e perturbadores, A Ponte, sobre os suicídios ocorridos na paisagem mais fotografada do planeta, a ponte Golden Gate, de São Francisco, de cujo batente se joga uma pessoas a cada duas semanas, em média.

Tudo no filme é surreal. Câmeras passaram o ano de 2004 registrando o movimento de pedestres (3 milhões de turistas por ano). Quando encontravam um personagem suspeito (geralmente um solitário chorando no batente, pensativo, com o olhar para o vazio), fixavam as lentes nele. Assim, registraram 23 quedas para a morte. Algumas surpreendentes, como a de um homem rindo no celular que, logo depois, se joga. Outras espetaculares, como a do roqueiro Gerry, que pontua o documentário, pois fica muito tempo refletindo, até subir, abrir os braços e fazer uma pirueta no ar para a morte.

Seu diretor, Eric Steel, é acusado de oportunista. Mórbido, deixava câmeras em locais estratégicos e mudava de fita a cada hora. Funde imagens lindas do famoso ‘fog’ com pelicanos voando. Eventualmente, alguém desaba. Evitou seis suicídios, já que a regra da equipe era ligar para a polícia, assim que visse algum suspeito.

A ponte e o seu vão de 69 metros é o destino preferido de muitos suicidas. Desde de 1937, foram registrados mais de 1.200 mortes. Depressão, solidão, doenças mentais e vícios com drogas são lembrados como possíveis motivos. E por que alguém escolhe justamente uma das paisagens mais fascinantes, para entregar os pontos? Quer se despedir com um pouco de beleza e muitas testemunhas?"



Tomado de:

Obervatorio de la prensa.


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